Romanos 1.21-32
Havia outrora cinco irmãos,
que moravam com o pai num castelo, no alto de uma montanha. O mais velho era um
filho obediente. Seus quatro irmãos, todavia, eram rebeldes. O pai tinha-lhes
grande cuidado por causa do rio; já lhes havia implorado que ficassem distante
da margem, para que não fossem varridos pelo refluxo da maré. Mas eles não
ligavam; a atração do rio era-lhes demasiadamente forte.
A cada dia, os quatro irmãos
rebeldes arriscavam-se cada vez mais perto do rio, até que, uma vez, um deles atreveu-se
a tocar a água.
— Segurem a minha mão —
gritou ele. — Assim não cairei.
E seus irmãos o fizeram.
Quando ele porém tocou a água, o repuxo arrastou-o com os outros três para
dentro da correnteza, rolando-os rio abaixo.
Foram despencando de rocha em
rocha, girando no leito do rio. Arrastados pelas vagas, eles se foram. Seus
gritos de socorro perderam-se na fúria
do rio. Embora se debatessem tentando recuperar a estabilidade, foram
impotentes contra a força da correnteza. Depois de horas de esforço,
renderam-se ao puxão do rio. As águas finalmente lançaram-nos à margem, numa
terra estranha, num distante país. O lugar era estéril.
Um povo selvagem habitava
aquela terra. Não era segura como o
lar que eles tinham.
Ventos frios gelavam a terra.
Não era quente como o lar que possuíam.
Montanhas inóspitas
assinalavam a terra. Não era convidativa como o lar que conheciam.
Embora não soubessem onde
estavam, de uma coisa tinham certeza: não haviam sido feitos para aquele
lugar. Por um longo tempo, os quatro jovens irmãos ficaram deitados na margem,
atordoados com a queda, e sem saber para onde se voltarem. Após algum tempo,
reuniram coragem e tornaram a entrar na água, esperando andar rio acima. Mas a
correnteza era demasiadamente forte. Tentaram caminhar ao longo da margem,
porém o terreno era íngreme demais. Consideraram a possibilidade de subir as
montanhas, contudo, o cimo era muito alto. Além de tudo, não conheciam o
caminho.
Finalmente, fizeram um fogo,
e sentaram-se à volta.
— Não deveríamos ter desobedecido
nosso pai — admitiram eles. — Estamos a grande distância de casa.
Com o passar do tempo, os
filhos aprenderam a sobreviver na terra estranha. Encontraram nozes para
alimento, e mataram animais para ter as peles. Eles tinham determinado não esquecer a terra natal, nem abandonar as esperanças de
retornar. A cada dia, os quatro aplicavam-se à tarefa de achar alimento e
construir abrigo. A cada noite, acendiam o fogo e contavam histórias de seu
pai e do irmão mais velho, ansiando por vê-los novamente.
Então, numa noite, um dos
irmãos ausentou-se da fogueira. Os outros o encontraram, na manhã seguinte, no
vale com os selvagens. Ele havia construído uma choupana de barro e palha.
— Tenho me cansado de nossas
conversas — confessou ele. — De que adianta recordar? Além de que, esta terra
não é tão ruim. Vou construir uma grande casa e estabelecer-me aqui.
— Mas aqui não é nosso lar. —
Objetaram os outros.
— Não. Mas será, se vocês não
pensarem no verdadeiro
— Mas, e nosso pai?
— O que tem ele? Ele não está
aqui. Não está por perto. Devo viver para sempre na expectativa de sua chegada?
Estou fazendo novos amigos; estou aprendendo novos caminhos. Se ele vier,
muito que bem, mas eu não vou parar minha vida.
E assim, os outros três
deixaram o construtor de cabanas, e se foram. Eles continuaram a se encontrar
em volta do fogo, falando do lar e sonhando com o retorno.
Alguns dias depois, o segundo
irmão faltou ao encontro da fogueira. Na manhã seguinte, os outros dois o
acharam no alto de uma ladeira, fitando a cabana de seu irmão.
— Que desgosto — desabafou
ele, quando os dois se aproximaram. — Nosso irmão é um fracasso total. Um
insulto ao nome de nossa família. Podem imaginar um ato mais desprezível?
Construindo uma cabana, e esquecendo nosso pai?!
— O que ele está fazendo é
errado — concordou o mais jovem. — Mas o que fizemos é igualmente mau. Nós
desobedecemos. Tocamos o rio. Ignoramos as advertências de nosso pai.
— Bem, podemos ter cometido
um ou dois enganos, mas comparados àquele coitado da choupana, nós somos
santos. Papai vai perdoar nosso pecado, e castigar a ele.
— Venha — instaram os dois
irmãos. — Volte ao fogo conosco.
— Não. Acho que devo manter o
olho em nosso irmão. Alguém precisa conservar uma recordação de seus erros para
mostrar a papai.
Assim, os dois retornaram,
deixando um irmão construindo e o outro julgando.
Os dois filhos remanescentes
ficaram perto do fogo, encorajando-se mutuamente e falando do lar. Então, ao
acordar numa manhã, o mais novo achou-se sozinho. Procurou pelo irmão, e encontrou-o
perto do rio, amontoando pedras.
— As coisas não são assim —
explicou o amontoador de pedras, enquanto trabalhava. — Meu pai não vem a mim.
Eu devo ir a ele. Eu o ofendi. Insultei-o. Falhei com ele. Há apenas uma opção:
construirei um caminho de pedras sobre o rio, e irei até a presença de nosso
pai. Pedra sobre pedra, eu as amontoarei até que sejam suficientes para eu viajar
rio acima, em direção ao castelo. Ao ver quão duro eu tenho trabalhado, e quão
diligente tenho sido, nosso pai não terá escolha: aluirá a porta, e me deixará
entrar em sua casa.
O último irmão não soube o
que dizer. Voltou a sentar-se sozinho junto ao fogo. Certa manhã, ouviu atrás
de si uma voz familiar.
— Papai mandou-me buscar
vocês, e levá-los para o lar. Levantando os olhos, ele viu a face de seu irmão
mais velho.
— Você veio buscar-nos! —
Gritou ele. E ambos ficaram abraçados por um longo tempo.
— E os outros? — Perguntou
finalmente o mais velho.
— Um fez uma casa aqui. O
outro o está olhando. E o terceiro está construindo um caminho sobre o rio.
E assim, o primogênito pôs-se
a procurar os irmãos. Foi primeiro à choupana de palha, no vale.
— Fora, estranho! — enxotou o
seu irmão, pela janela. — Você não é bem-vindo aqui!
— Eu vim para levá-lo ao lar.
— Mentira! Você veio pegar
minha mansão!
— Isto não é uma mansão —
ponderou o primogênito — É uma choupana.
— É uma mansão! A mais bela
da planície. Eu a construí com minhas próprias mãos. Agora, vá embora. Você
não pode ficar com minha mansão.
— Você não se lembra da casa
de seu pai?
— Não tenho pai.
— Você nasceu num castelo,
numa terra distante, onde o ar é cálido, e os frutos, abundantes. Você
desobedeceu a seu pai, e acabou nesta terra estranha. Eu vim a fim de levá-lo
para casa.
O irmão perscrutou a face do
primogênito através da janela, como se estivesse vendo um rosto já visto num
sonho. Mas a pausa foi curta, pois, de repente, os selvagens atopetaram a
janela também.
— Vá embora, intruso! —
exigiram eles. — Esta casa não é sua.
— Vocês estão certos —
respondeu o primogênito. — Mas vocês não são nada dele.
Os olhos dos dois irmãos
encontraram-se novamente. Mais uma vez o construtor sentiu um aperto no
coração, mas os selvagens haviam conquistado sua confiança.
— Ele quer apenas a sua
mansão — gritaram eles. — Mande-o embora! E ele o mandou.
O primogênito foi procurar o
segundo irmão. Não teve de ir muito longe. Sobre a ladeira, próximo à cabana,
ao alcance da vista dois selvagens, estava o irmão acusador. Ao ver o
primogênito aproximando-se, ele alegrou-se:
— Que bom que você está aqui
para ver o pecado de nosso irmão! Você está sabendo que ele voltou as costas ao
castelo? Está sabendo que ele nunca mais falou de casa? Eu sabia que você
viria, e tenho anotado cuidadosamente as ações dele. Castigue-o! Eu aplaudirei a
sua ira. Ele a merece! Trate dos pecados de nosso irmão.
O primogênito falou
suavemente:
— Precisamos cuidar de seus
pecados primeiro.
— Meus pecados?
— Sim, você desobedeceu o
papai.
O irmão deu uma risada
sarcástica, e esmurrou o ar.
— Meus pecados não são nada.
Lá está o pecador — acusou ele, apontando para a cabana. Deixe-me contar-lhe
dos selvagens que ficam lá...
— Prefiro que me fale de si
mesmo.
— Não se preocupe comigo.
Deixe-me mostrar a você quem é que precisa de ajuda — insistiu ele, correndo em
direção à choupana. — Venha, nós espiaremos pela janela. Ele nunca me vê. Vamos
juntos. — E ele chegou à cabana, antes de perceber que seu irmão mais velho não
o seguira.
Depois disso, o primogênito
encaminhou-se para o rio. Lá, achou o terceiro irmão, afundado na água até os
joelhos, amontoando pedras.
— Papai mandou-me levar você
para casa. O outro nem levantou os olhos.
— Não posso conversar agora.
Devo trabalhar.
— Papai sabe que você caiu.
Contudo, ele o perdoará.
— Ele pode — interrompeu o
irmão, esforçando-se por manter o equilíbrio contra a correnteza. Mas antes
tenho de chegar ao castelo. Devo construir um atalho sobre o rio. Primeiro lhe
mostrarei que sou digno. Então, pedirei sua misericórdia.
— Ele já teve misericórdia de
você. Eu o transportarei rio acima. Você jamais será capaz de construir um
atalho. O rio é tão comprido! A tarefa é grande demais para você. Papai
mandou-me carregá-lo para casa. Eu sou forte.
Pela primeira vez, o
amontoador de pedras olhou para cima.
— Como você ousa falar com
tanta irreverência? Meu pai não irá me perdoar facilmente. Eu pequei. Cometi um
grande pecado! Ele nos disse para evitarmos o rio, e nós desobedecemos. Sou um
grande pecador. Preciso trabalhar muito.
— Não, meu irmão, você não
precisa de muito trabalho. Você precisa de muita graça. Você não possui força
nem pedras suficientes para construir a estrada. Foi por isso que nosso pai me
enviou. Ele quer que eu o leve para casa.
— Está dizendo que não
consigo? Está querendo dizer que não sou suficientemente forte? Veja meu
trabalho. Veja minhas rochas. Eu já posso dar cinco passos!
— Porém ainda faltam cinco
milhões à frente!
O irmão mais novo fitou o
primogênito com raiva.
— Eu sei quem é você. Você é
a voz do mal. Está tentando seduzir-me e afastar-me de meu santo trabalho. Para
trás de mim, serpente! — E ele jogou no primogênito a pedra que ia pôr no rio.
— Herético! - gritou o
construtor de estrada. - Deixe esta terra. Você não pode me fazer parar!
Construirei esta passagem, e apresentar-me-ei ante meu pai. Então ele terá de
perdoar-me. Eu conquistarei o seu favor. Serei merecedor da sua compaixão.
O primogênito balançou a
cabeça.
— Favor conquistado não é
favor. Compaixão merecida não é compaixão. Eu lhe imploro, deixe-me
transportá-lo rio acima.
A resposta foi outra pedrada.
Então o primogênito virou-se e saiu. O irmão mais jovem estava esperando junto
ao fogo, quando o primogênito retornou.
— Os outros não vêm?
— Não. Um preferiu
indultar-se; o outro, julgar; e o terceiro, trabalhar. Nenhum deles escolheu nosso
pai.
— Então eles permanecerão
aqui?
O primogênito balançou a
cabeça devagar.
— Por enquanto.
— E nós voltaremos ao pai? —
indagou o mais novo.
— Sim.
— Ele me perdoará?
— Teria ele me enviado, se
não fosse assim?
E então, o mais jovem subiu
nas costas do primogênito, e iniciaram a jornada para o lar.
Fonte: Livro Nas Garras da Graça - Max Lucado -CPAD
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